terça-feira, 23 de abril de 2024

Ao bardo

Não me fites.

Tenho me esvaziado aos poucos,

Em lágrimas secas e prantos mudos.

Quem sabe não seja melhor uma casca vazia?

Já que me derramei, tal qual um rio, em dias de chuva.


Talvez eu ainda espere alguma migalha,

Uma sombra qualquer de um passado doce,

Onde maçãs mordidas enebriavam corpos e corações.


Agora, o vinho é seco e amargo,

Já não me entorpece, nem me diverte

Não há brilho enluarado que me afague,

Ou calor solar que me aqueça.


Talvez, volte eu a debulhar-me em papel,

Para calar o grito e a desesperança de um vazio infinito. 


T. Alves





quarta-feira, 10 de abril de 2024

A voz do Papa

Porquê me olhas? Não lhe reconheço.

Se deságuas, Imperatriz, não me importo.

Vendado viajo mil léguas, e a outras mil retorno.

Ao início, estagnado

Quem serías tú? Porquê me anseias? Por quê jubila-se perante mim?

Afasta-te, cão, injuriado demônio!

Pois teu cerne não me cabe.

Aos meus devaneios me entrego.

A ti? Que se perca no vazio.


As cobras sempre mordem no mesmo lugar.



T. Alves




segunda-feira, 8 de abril de 2024

Ponto e vírgula


À vida. Há vida?

Esmagado por seus infortúnios,

Quebrado por suas memórias,

Dilacerou a si, à beira do abismo

A escuridão que vias, lhe engolira.

A culpa, a raiva, a dor, quantas mais vozes gritavam em ti?

Quantas vezes calaste a tua?

Eu vejo você.

Ainda não é tempo de pontos finais e mesmo exausto das vírgulas, continue

Nós vemos você;


T. Alves




quinta-feira, 7 de março de 2024

15


Eu vi o sol brilhar novamente 

E não acreditei que fosse para mim

Invisível diante do espelho

Me perdi ou me esqueci de quem era

Andei em círculos, acreditei

Quem sou, se não minhas memórias?

Que memórias?

Quem é você?

Quem somos nós?


Abri os olhos, e só vi suas lágrimas. 



Perdão. 



T.Alves




sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

Ayaba


Ríos negros, 

riachos, 

cascatas

Desenrolam-se e tornam a enrolar-se.


Brilham como ouro, 

reluzem à luz,

 são revoltos!

 

Rebeldes, emolduram a beleza pura!


O que seria de nós, 

meros mortais,

se não nos entrelessásemos

 em suas curvas?

 

 Pergunto-me, 

seriam rios ou coroas,  

os cachos que despencam de tua cabeça?


T. Alves 





quinta-feira, 9 de novembro de 2023

Ijó

Danças entre ruínas enquanto padeces.

Em tempestades, louvas às torrentes 

Percorres descalça estradas afiadas,

E como delirante bailarina, cais.


As vozes cantam,

Não são as mesmas que gemem?

Onde estarias tu, ao estar defronte à lucidez?

Onde estás tu, que findou à noite?


Ainda bailas inocente, entre cacos e rachaduras

Ignoras a dor, atuas pela falsa benção. 

E ao fim da melodia, ainda saltas, ainda cantas

A fim de que se esvaia tua agonia,

por entre lágrimas e piruetas.


T.Alves




sábado, 4 de novembro de 2023

Èmi ni

Eu sou a filha da deusa

Me encontro ao desabrochar das rosas e da vida

Sou doce como a brisa, e tempestuosa como a chuva

Podes ter meu calor afável, te acolho em meu ventre

Selvagem, me misturo ao tempo

Meu pai, bruto como rocha, e protetor

Sou filha dos deuses, abençoada criança

Eu ouço suas vozes, eu sinto sua presença

Eu sou a cria da mãe, a que corre pelas matas e ama 

A que chora e luta

A que foge e queima

Eu renasço em mim, de mim, para mim

Eu sou a filha da luz e da escuridão

Eu sou parte do pai

Eu sou a mãe.

T. Alves




terça-feira, 10 de outubro de 2023

14

 

Era apenas uma criança,

Quando precisou calçar seus sapatos de adulto e correr


Acreditava ter desabrochado, ledo engano,

Ainda não havia crescido.


Era apenas uma criança,

Quando assistiu a escuridão encobrir seus dias

Mal via as estrelas e esperava enxergá-las de novo.


Ainda era uma criança,

Quando se perdeu nos dias.

Estes, quando enevoados, assistia à luzes turvas,

Não sabia dizer se eram lâmpadas ou ilusões.


Ainda sendo criança, foi vexada.

Comprimiu sua dor em uma caixa, guardou-a na superfície,

fechou-se no fundo de um poço e cavou.


Já não era mais criança, e estava sozinha.

Caminhe, criança, caminhe, pensava consigo.

Ainda veremos um belo dia.


T. Alves




quinta-feira, 7 de setembro de 2023

12

Me afogo em desejo, 

Queimo feito brasa até ser pó.

Me junto à terra de meus pés, 

sou oferenda que retorna à casa.

À Mãe me junto, aos irmãos me reúno.

Minhas cinzas, alimentarão os semelhantes e cobrirão os inválidos. 

Minhas canções mortas ecoarão aos ouvidos surdos, em bocas mudas. 

 Então, a vencer do Tempo, retorno ao ciclo.

Sou céu e ar, chuva e pranto.

Renasço em tempestade, povoo o ser.

Caminho trôpega, em meio ao mundo, ao reabrir os olhos.


T. Alves




domingo, 13 de agosto de 2023

13

 A dama que me acompanha é leal e cruel.

Sua pele dourada reluz, seus cabelos como fogo me seduzem

Acordo sempre em seus braços, me alimento de seus seios fartos 

Ao ponto de afogar-me ao mergulhar em ti.

Fujo inconsequente, ao passo, que retorno débil.

A dama que me se acompanha e gélida e abrasadora.

Nos fundimos, enlaçadas e fervorosas. 

Viver e morrer contigo são sinônimos.


T.Alves